A COVID-19 e o aumento da judicialização do setor aéreo
Atualizado: 19 de abr. de 2020
Estamos diante de uma pandemia provocada pelo novo coronavírus que está exigindo a tomada de medidas sanitárias drásticas mundo afora que visam reduzir a disseminação e salvaguardar vidas, mas também está assolando diversos setores produtivos, dentre eles, o da aviação civil.
Muito embora o ano de 2020 projetasse grandes expectativas para a aviação civil, o cenário mudou rapidamente a partir da disseminação do novo coronavírus, levando governos a imporem medidas restritivas, tais como o fechamento de fronteiras e impedimento da entrada de estrangeiros, o que levou invariavelmente à suspensão de voos nacionais/internacionais.
O Brasil está sendo bastante afetado pela COVID-19, o que obrigou as companhias aéreas nacionais a tomarem a difícil, mas necessária decisão de cancelarem 70% de seus voos até junho/2020.
Não bastasse os inúmeros voos cancelados e a necessidade de readequação de malha aérea, as companhias aéreas se depararam também com uma missão igualmente difícil: atendimento aos passageiros prejudicados pelas medidas mitigatórias.
No instante seguinte à notícia de que os voos seriam cancelados ou remanejados, grande maioria dos passageiros decidiu entrar em contato com as companhias para buscar uma solução, gerando uma onda inesgotável de ligações e pedidos de atendimento. A principal solicitação: reembolso integral dos bilhetes aéreos ante a impossibilidade justificada de não conseguirem viajar.
Ainda que alguns passageiros remarquem as viagens para um futuro próximo (dentro de 01 ano), a grande maioria deles deseja o reembolso integral do valor pago. Ainda é inestimável para as companhias aéreas calcularem os prejuízos que a devolução integral de todos os bilhetes aéreas adquiridos poderiam lhe trazer.
Atentos a isso os setores de turismo, hotelaria e aviação iniciaram a divulgação de campanhas publicitárias para remarcar as viagens e passeios para o período pós-pandemia, com o intuito de conter os prejuízos já estimados, contudo, estima-se que 80% dos passageiros decidirão pelo reembolso integral, pondo em risco a saúde financeira de várias empresas.
Neste momento iniciou-se uma discussão jurídica acerca da viabilidade e legalidade desse pedido de reembolso integral. O fundamento utilizado é a impossibilidade de realização da viagem por motivo de força maior.
Todavia, se por um lado, os passageiros podem alegar que o reembolso deve ser integral, as companhias também podem utilizá-lo para optar pela realização integral ou não do reembolso.
Isso porque, importante lembrar das condições contratuais aceitas pelos passageiros no momento da contratação do bilhete aéreo que são baseadas no regime da liberdade tarifária, previsto no artigo 49, §2º da Lei 11.182/2005.
A grande maioria das passagens são adquiridas com base no menor valor ofertado, que às vezes não permitem o cancelamento ou o fazem com reembolso parcial, aplicando uma penalidade, além de despesas administrativas.
Desta forma, a Presidência da República editou exclusivamente para o setor dada a sua importância, a Medida Provisória n° 925/2020 por meio da qual ficaram estabelecidas determinações emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da COVID-19, visando evitar a descontinuidade da prestação do serviço público, que geraria um impacto mundial sem precedentes, tanto para o setor aéreo, quanto para os usuários.
Dentre as três medidas trazidas pela MP destaca-se que nos casos de cancelamento de reserva aérea deverão ser observadas as regras do contrato de transporte aéreo, isto é, as companhias poderão aplicar as penalidades previamente estabelecidas, alterando apenas o tempo para que se realize o reembolso ao passageiro, passando de atuais 07 (sete) dias para até 12 (doze) meses.
Para aqueles que não desejam cancelar a reserva, vouchers poderão ser emitidos junto as empresas aéreas e poderão ser utilizados no prazo de doze meses contados da data do voo contratado, sendo que nestes casos os passageiros ficarão isentos das penalidades contratuais.
Apesar de tal medida, acredita-se que alguns passageiros não aceitarão a condição concedida pelo governo federal e buscarão as vias judiciais para reaver a quantia integral paga, colaborando, ainda mais, para o abarrotamento do judiciário.
Desta forma, os passageiros contribuirão para o já grande impacto judicial registrado pelas companhias com o avanço das startups jurídicas que miram os passageiros afetados por alguma incidência no voo.
Nesta linha, deverá o judiciário se sensibilizar para com o cenário atual, a fim de que se construa uma jurisprudência firme que caminhe no mesmo sentido da MP recém editada, isto é, visando o auxílio às aéreas que arcarão graves sequelas após o fim desta pandemia.
Destaca-se que o intuito da Medida Provisória é criar um equilíbrio entre os contratantes, vez que o cenário instaurado se deu de forma inesperada, trazendo consequências tanto para as companhias aéreas quanto para os passageiros, efetivando-se a isonomia material, que nesse caso é o equilíbrio das obrigações e direitos entre as partes.
O judiciário brasileiro deverá reconhecer que a situação atual é sem precedentes e o impacto financeiro é inestimável, sopesando tal fato com as garantias protecionistas aos passageiros.
Para tanto, espera-se que o judiciário brasileiro se posicione firme e claro no sentido de manter as condições contratuais eleitas pelos passageiros em casos de rescisão pelo passageiro decorrente da expansão da COVID-19.
De igual modo, a jurisprudência a ser firmada deve levar em consideração a não incidência de danos morais, um dos pedidos judiciais mais rentáveis para os passageiros.
O STJ já se posicionou (REsp 1796716) no sentido de que o dano moral deve ser comprovado pela vítima, no caso o passageiro, afastando a indenização automática proveniente da tese do dano presumido (in re ipsa), amplamente utilizada pelas cortes brasileiras.
Portanto, o judiciário brasileiro e as companhias aéreas – através de seus departamentos jurídicos e escritórios terceirizados - devem se preparar para uma crescente demanda jurídica relacionada aos contratos de transporte aéreo afetados pela COVID-19.
Em conclusão, o judiciário deve firmar um posicionamento em consonância com as medidas trazidas pela Medida Provisória, para garantir a continuidade da prestação do serviço público, não olvidando que os danos morais, se comprovados pelos passageiros, deverão ser quantificados em valor condizente com a atual realidade das companhias, haja vista a atual crise no setor aéreo.